Mundando
O mundo mudou. Aquele mundo conhecido está sucumbindo sob nossos pés. Antigas certezas se tornaram dúvidas. Não sabemos mais o que é certo e o que é verdade; e o que é errado e o que é mentira. Nem mesmo sabemos se existe o certo e o errado, se existe a verdade e a mentira.
Ao longo da história, fomos gradativamente nos distanciando do sentimento de união com tudo, de que somos parte da natureza e de que somos todos Um. Desenvolvemos uma percepção reducionista da realidade, onde tudo é separado, dividido e apenas o que é material tem validade.
Nos distanciamos do sentido de comunidade, do pertencimento e nos tornamos cada vez mais isolados, fechados em nossa própria solidão.
Essa forma de perceber o mundo nos fez desenvolver a tecnologia que nos rodeia hoje. Essa tecnologia, por um lado, tem aprofundado nossa solidão, levando a altíssimos níveis de depressão, mas permite também nos conectar mais rapidamente e a ganhar acesso imediato a muitas informações valiosas, o que permite aumentar a autonomia do indivíduo frente às instituições de poder e permite também a formação de grupos de afinidades com pessoas que não conhecíamos a pouco tempo.
Mas no fundo desse processo de distanciamento da realidade una, foi aos poucos sendo gestada a percepção de que a realidade é muito mais do que percebemos pelos meios materiais e com isso fomos desenvolvendo uma forma mais holística de perceber e entender a realidade.
Hoje nos encontramos no centro do encontro dessas duas tendências: da visão reducionista com a visão holística; do isolamento das partes com a conexão com o todo. Estamos no olho do furacão. E a tecnologia amplifica essa contradição, ao nos conectar no isolamento e ao nos isolar na conexão. Às vezes nos sentimos acolhidos, acalentados; outras vezes divididos, arrebatados. Estamos criando um mundo cada vez mais VUCA (*): Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo.
Essa enorme contradição se expressa também no medo de um futuro degradado e ao mesmo tempo na confiança de um futuro mais consciente e com mais significado. Essa confiança é reforçada por meio de novas perspectivas que têm emergido a partir do caos.
Essas novas perspectivas são:
a) Uma busca maior pelo autodesenvolvimento.
Novas formas de terapia, com uma visão mais sistêmica e mais profunda do ser humano, têm surgido. Cada vez mais pessoas têm buscado essas terapias para se entenderem melhor.
b) Uma busca maior por autonomia e colaboração.
O movimento da colaboração a partir da autonomia, que até uns anos atrás era restrito a algumas poucas organizações que trabalhavam com o desenvolvimento humano, chegou às startups de tecnologia e agora começou a se espalhar para empresas de todos os portes. Começamos a enxergar as organizações como organismos sociais vivos, que têm um propósito social. Com isso, os indivíduos que se identificam com esse propósito comum, se sentem engajados a colaborar com os outros, mas a partir de si mesmos, de um lugar de autonomia.
c) O desenvolvimento de uma percepção mais ampla e sistêmica da realidade.
A ciência tem avançado na superação da visão reducionista do mundo, de que tudo se resume a partículas de matéria e tem começado a compreender que a realidade se faz também de energia, de relações e de informação. Cada vez mais pessoas têm se interessado por uma forma fenomenológica de compreender a realidade, que nos leva a uma percepção mais holística, mais sistêmica da vida. Esse avanço da ciência tem servido de base para alavancar as duas perspectivas anteriores.
Estamos vivendo um momento mundial muito precioso e, ao mesmo tempo, muito difícil e conturbado. Indivíduos reivindicando mais autonomia, mais liberdade, para se expressarem de seu jeito individual, para contribuírem com seu próprio colorido no mosaico do mundo, mas também para se sentirem empoderados para agredir a reputação dos outros; acesso imediato à informações de todo tipo, dando margem ao desenvolvimento autônomo e também a grandes manipulações de massa; grupos se formando rapidamente com ajuda da tecnologia para empreenderem soluções inovadoras aos problemas do mundo, mas também para formarem bolhas e nichos de poder na guerra de todos contra todos.
Cada vez mais somos chamados em nossa responsabilidade individual com a vida e com o mundo. Que possamos nos aprofundar na concepção sistêmica da realidade, a partir de um olhar fenomenológico para a vida; que sigamos na busca de nosso autodesenvolvimento, para assumirmos nossa responsabilidade com força e autonomia; e que possamos nos juntar a outras pessoas buscadoras, colaborando para um propósito comum que promova a saúde do mundo e promova relações sustentáveis em todos os âmbitos da vida.
(*) VUCA - termo em inglês para: Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity.
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